TJAL 05/09/2012 - Pág. 154 - Caderno 2 - Jurisdicional - Primeiro Grau - Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas
Disponibilização: Quarta-feira, 5 de Setembro de 2012
Diário Oficial Poder Judiciário - Caderno Jurisdicional - Primeiro Grau
Maceió, Ano IV - Edição 767
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oferecida em desfavor de Antoniel Gomes Brandão Malta, pela prática do crime de disparo de arma de fogo, ocorrido em 09/09/2009.
Antes de adentrar no mérito, importante sanar a preliminar levantada pela Defesa do acusado. Da alegação de cerceamento de defesa
Em sede de alegações finais a Defesa do acusado alegou nulidade pelo cerceamento de defesa, tendo em vista que o acusado se
defendeu do crime de disparo de arma de fogo, e não, de posse ilegal de arma de fogo, como requereu o Ministério Público em suas
alegações finais, nos termos do artigo 383 do Código de Processo Penal. Pois bem. Tal alegação não merece prosperar. Sabe-se que
o crime de disparo de arma de fogo é subsidiário, ou seja, não sendo configurado o disparo, subsiste o crime de posse ou porte ilegal
de arma de fogo, a depender do caso concreto. In casu, o reconhecimento pela prática do crime de porte ou posse ilegal de arma de
fogo, constitui, tão somente, a utilização do instituto da emendatio libelli, nos termos do artigo 383, do Código de Processo Penal.
Vejamos o seguinte aresto: APELAÇÃO CRIMINAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO E DISPARO. 1. PRELIMINAR. NULIDADE DA
SENTEÇA. REJEIÇÃO. OCORRÊNCIA DE ‘EMENDATIO LIBELLI’. 2. MÉRITO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INAPLICABILIDADE.
INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO MEIO-FIM. DELITOS AUTÔNOMOS. APELO IMPROVIDO.1. A mera reclassificação do crime feita na
sentença não constitui ‘mutatio libelli’ que implicaria em sua
nulidade, consistindo em ‘emendatio libelli’, autorizada pelo art. 383 doCPP, pois o réu se defende dos fatos imputados, não da
classificação.2. Os delitos de porte e disparo de arma de fogo ocorreram em momentos distintos, em circunstâncias diversas, com
desígnios autônomos, inexistindo a relação de meio-fim que autorize a absorção de uma figura típica pela outra. 3. Apelo improvido.
(2ª Cam. Esp. Criminal, Des. Erivan José da Silva Lopes, 25/01/2012) (Grifei) Rejeito, pois, a preliminar suscitada. Da emendatio libelli
Na exordial acusatória, o membro do Ministério Público denunciou o acusado nos termos do artigo 15 da Lei 10.826/03, ou seja, pela
prática do crime de disparo de fogo. Ao longo da instrução processual, apesar de configurado o crime de disparo de arma de fogo, sua
autoria não restou evidente, tendo em vista que os depoimentos colhidos não foram suficientes para atribuir ao ora acusado a prática
deste delito. Em que pese a ausência de provas no tocante ao crime de disparo de arma de fogo, nota-se, conforme o acima transcrito,
que o crime de disparo de arma de fogo é subsidiário, incidindo assim, no caso concreto, a possibilidade de reconhecimento de outro
crime. O Ministério Público, em suas alegações finais, pugnou pela aplicação do artigo 383, do Código de Processo Penal, para que
o acusado seja condenado pelo crime de posse ilegal de arma de fogo, previsto no artigo 16, da Lei 10.826/03. Neste momento, é
importante destacar que, embora o Ministério Público tenha denunciado o acusado como incurso apenas na sanção penal do art.15 da
lei supramencionada e nas alegações finais ter requerido a aplicação do 383 do CPP, para que o acusado seja condenado nos termos
do artigo 16 da Lei 10.826/03 (Posse), o acusado praticou o crime capitulado no art. 14, da mesma Lei, diante dos fatos acima descritos.
O instituto emendatio libelli é um importante mecanismo processual, com previsão no art. 383 do Código de Processo Penal, cuja
finalidade é a redefinição judicial da classificação jurídica contida na peça acusatória, denúncia ou queixa. Nesse caso, o juiz analisa
os fatos ali descritos e lhes atribui sua própria definição, de acordo com sua compreensão, adequando-os a um tipo penal diverso do
inicialmente imputado pelo promotor ou querelante. O instituto não é recente no ordenamento jurídico brasileiro. O Código de Processo
Penal (Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941) já o previa com a seguinte redação: “O juiz poderá dar ao fato definição jurídica
diversa da que constar da queixa ou da denúncia, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave”. A modificação
introduzida pela Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, deu ao dispositivo a seguinte redação: Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição
do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena
mais grave. §1º Se, em consequência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do
processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei. § 2º Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão
encaminhados os autos. É clara a relação da emendatio libelli com os princípios expressos nos brocardos latinos jura novit curia (o juiz
conhece o direito) e da mihi factum, dabo tibi jus (dá-me o fato, dar-te-ei o direito). Assim, a partir dos fatos narrados na peça acusatória,
pressupondo-se que o juiz conheça a lei, é evidente que ele tenha sua concepção jurídica sobre qual dispositivo legal aqueles fatos
realmente subsumam-se. A teor da própria norma, não importa se a alteração procedida agravará, manterá inalterada ou abrandará a
situação do réu. Há de se destacar que o réu se defende dos fatos narrados na denúncia e não da capitulação indicada pelo membro
do Ministério Público. Observa-se, nesse sentido, grande sincronia com o princípio da correlação ou demanda, já que busca estabelecer
uma correlação entre os fatos narrados na acusação e o resultado da sentença proferida pelo magistrado. A esse respeito, esclarece
Eugênio Pacelli de Oliveira: “Tem-se, portanto, que o princípio da correlação entre o pedido e a sentença, absolutória ou condenatória,
em sede de processo penal, há de se arrimar na causa petendi, isto é, no caso penal trazido a juízo, consistente na imputação da prática
de determinada conduta, comissiva ou omissiva, que configura específica modalidade (tipo) delituosa”. Congruente a este entendimento
se faz a manifestação do seguinte julgado: Eventual erro na capitulação legal pode ser corrigido no momento da sentença, ex vi do art.
383 do CPP, sem causar prejuízo à ampla
defesa e ao contraditório, porquanto o réu se defende dos fatos a ele imputados, e não da classificação do crime feita na denúncia.
Portanto, é pacífico na doutrina e na jurisprudência que o réu se defende dos fatos imputados na denúncia ou queixa e não da capitulação
inicialmente imputada pelo acusador, seja membro do Ministério Público ou querelante. Corrijo, então, a capitulação legal indicada pelo
parquet estadual na peça acusatória, para aplicar, corretamente, o artigo 14 da Lei 10.826/03, pela prática do crime de porte ilegal de
arma de fogo. Assim, superadas as questões preliminares existentes, bem como, feita a correção da capitulação legal, passo a analisar
o mérito. Pois bem. Estabelece o art. 14 da Lei 10.826/03 o seguinte: Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito,
transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou
munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4
(quatro) anos, e multa. Como se nota, o fato imputado ao réu na denúncia se enquadra, em tese, no tipo penal previsto no dispositivo
acima transcrito, uma vez que o acusado carregava consigo uma pistola, calibre 635, de marca Taurus, sem possuir autorização para
tanto. Dito isso, necessário se impõe, a análise acerca da materialidade do delito e de sua respectiva autoria. Importante destacar que,
em sede de audiência de instrução e julgamento, o acusado juntou, às fls. 103 dos autos, certificado de registro federal de arma de fogo.
Todavia, o registro está datado de 09 de dezembro de 2009, dois meses após a prática delitiva, que se deu em 09 de setembro de 2009.
Sendo assim, no que se refere a materialidade delitiva, apesar da não existência de termo de apresentação e apreensão da arma, notase que, a juntada aos autos do registro da referida arma, retirado dois meses após a prática do delito, comprova que o acusado Antoniel
Gomes Brandão Malta, estava portando consigo a arma de forma irregular. E mais, apenas a registrou 2 (dois) meses depois do fato,
corroborando que de fato a arma existia no momento da apreensão, que ela não foi extraviada (até porque foi registrada posteriormente)
e que estava em bom funcionamento (confirmado pelo próprio registro). Ademais, não merece prosperar a alegação da defesa acerca da
ausência de dolo específico, tendo em vista que os crimes previstos na Lei 10.826/03, são crimes de mera conduta. Como esclarecido
por GUILHERME DE SOUZA NUCCI, o crime de porte ilegal de arma de fogo é classificado como “de mera conduta (independe da
ocorrência de qualquer efetivo prejuízo para a sociedade); de perigo abstrato (a probabilidade de vir a ocorrer algum dano, pelo mau
uso da arma acessório ou munição, é presumido pelo tipo penal)”. E como crime de mera conduta que é, sua consumação se dá com o
simples comportamento previsto no tipo, não se exigindo qualquer resultado naturalístico para tanto. Assim, o ato de alguém portar arma
de fogo sem a devida autorização, por si só, já se enquadra na figura descrita no art. 14, parágrafo único, inciso IV, da Lei 10.826/03.
Entendo, ainda, ser desnecessária a realização de prova pericial para aferir a potencialidade lesiva da arma de fogo, como pressuposto
para o reconhecimento da materialidade delitiva, uma vez que, além de se tratar de crime de mera conduta, a intenção do Estatuto
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º