TRF3 30/09/2014 - Pág. 99 - Publicações Judiciais I - Capital SP - Tribunal Regional Federal 3ª Região
Resolução n.º 2.013/2013 - CFM, o abuso de poder regulamentar exercido pelo Conselho e ainda o vício material
consistente na restrição a liberdade de planejamento familiar imposta pelo CREMESP.Documentos juntados às
fls. 12/25.É o breve relatório. DECIDO. Para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela definitiva, prevista
no art. 273 do Código de Processo Civil, presentes seus pressupostos básicos consistentes na existência de prova
inequívoca e o convencimento da verossimilhança da alegação; o juiz deve verificar no caso concreto a existência
do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou alternativamente, a caracterização do abuso de
direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.É certo que o instituto em exame tem natureza
satisfativa, na medida em que implica na antecipação do próprio resultado pretendido, vale dizer, não se limita a
conservar situações para assegurar a efetividade do provimento final, a exemplo das medidas cautelares. Destinase a tutela antecipada a acelerar a produção dos efeitos práticos do provimento, a fim de afastar o dano decorrente
da demora na tramitação dos processos judiciais. Infere-se, daí, que a análise no caso em concreto para a
concessão da tutela antecipada deve ser feita com precaução, exigindo-se além da verossimilhança da alegação, a
efetiva demonstração do periculum in mora iminente.Em uma primeira análise do feito, verifico a verossimilhança
das alegações da autora.Assim dispõe o item 2 do ANEXO da resolução combatida:As técnicas de RA
(reprodução assistida) podem ser utilizadas desde que exista probabilidade efetiva de sucesso e não se incorra em
risco grave de saúde para a paciente ou o possível descendente, e a idade máxima das candidatas à gestação de RA
é de 50 anos.Descabe ao Poder Judiciário imiscuir-se na decisão de assuntos atinentes à ética profissional, pois tal
atribuição é dos Conselhos Regionais e do Conselho Federal de Medicina, consoante exposto nos artigos 5º, d e
15, d, da Lei n.º 3.268/57.Entretanto, verifico que a exigência contida na Resolução impugnada, no que tange a
fixação de idade máxima das candidatas à gestação que se utilizam de técnicas de reprodução assistida, não pode
prevalecer, pois, sendo ato inferior à lei, não tem o poder de modificar disposições expressas de texto legislativo
ou criar novas exigências onde a lei não o faça, em ofensa princípio da legalidade previsto no art. 5º, II da
Constituição Federal.Outrossim, verifico que tal dispositivo ofende os princípios constitucionais da dignidade da
pessoa humana e da paternidade responsável. Observe-se o que dispõe o art. 226 da Carta Magna: 7º - Fundado
nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre
decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse
direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. (destaquei)Cito ainda o
entendimento do C. Supremo Tribunal Federal, expresso no julgamento da ADI n.º 3510: (...) A decisão por uma
descendência ou filiação exprime um tipo de autonomia de vontade individual que a própria Constituição rotula
como direito ao planejamento familiar, fundamentado este nos princípios igualmente constitucionais da dignidade
da pessoa humana e da paternidade responsável. A conjugação constitucional da laicidade do Estado e do primado
da autonomia da vontade privada, nas palavras do Ministro Joaquim Barbosa. A opção do casal por um processo
in vitro de fecundação artificial de óvulos é implícito direito de idêntica matriz constitucional (...)(ADI 3510,
AYRES BRITTO, STF.)É certo que há razões que legitimam eventual recusa médica na efetivação de qualquer
tipo de procedimento que finalize a parentalidade, seja em virtude de uma probabilidade muito diminuída de
sucesso, seja pelos riscos à saúde da mãe ou do filho que vier a nascer.Por óbvio não se pode compelir um médico
a realizar qualquer tipo de procedimento em relação ao qual possui objeções, sejam de que natureza for. No
presente caso, no entanto, há disposição do médico em prosseguir com o tratamento - e importa que seja
considerada aqui a especial natureza da relação estabelecida entre o médico e sua paciente - apontando para a
intervenção requerida, de onde se depreende que foram sopesados todos os argumentos prós e contras e
cientificada a paciente exatamente quais os riscos que envolvem o procedimento.E não se considere apenas as
questões de ordem física, mas também as de cunho emocional envolvidos. Frise-se que a autora relata estar pelo
menos desde 2008 na busca da maternidade, e já foi submetida anteriormente a tentativas de fertilização in vitro,
infrutíferas. Tal situação causa tensão e expectativas que também devem levadas em consideração.É necessário
valorar, inclusive, não só as necessidades emocionais da autora, mas do casal, de forma que se pondere a relação
de risco/benefício, que venha a justificar a intervenção médica, caso se conclua que os riscos para a mulher são
inferiores às vantagens que ela possa obter, ou sua recusa, quando as probabilidades de causar dano forem
superiores à expectativa de êxito. Destarte, como já colocado em linhas, não havendo limitação legal para a idade
que a candidata deva possuir ao se submeter ao procedimento de fertilização in vitro, a análise de sua viabilidade,
para fins de autorização do CREMESP deverá compreender todos os demais aspectos físicos e emocionais, sendo
sua recusa justificada apenas quando os procedimentos a serem adotados possam ser considerados como má
prática médica, respeitando-se a liberdade e autonomia individuais, garantidas constitucionalmente.Por fim, há
que se considerar que, conforme noticiado pela própria autora na exordial, há grande demanda de pedidos
similares aguardando parecer do CREMESP.A Administração Pública está sujeita à observância de alguns
princípios constitucionais, dentre os quais se destaca o princípio da eficiência. Sendo assim, é certo que o que se
espera do administrador é o cumprimento dos prazos previstos na lei. Ademais, não se pode admitir que o
administrado tenha que aguardar indefinidamente a análise do pedido administrativo. A ineficiência do serviço
público não pode exigir um sacrifício desmesurado nos interesses dos particulares, mormente quando previstos
expressamente na Constituição Federal (inciso LXXVIII do artigo 5º e caput do artigo 37, ambos da Constituição
Federal). Não seria de bom alvitre, existindo casos análogos, que possuem a mesma urgência alegada pela autora,
DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Data de Divulgação: 30/09/2014
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