TRF3 23/05/2013 - Pág. 1127 - Publicações Judiciais I - Interior SP e MS - Tribunal Regional Federal 3ª Região
em qualquer caso, anteriores aos fatos objeto de julgamento. Nem por isso, em nosso entender, é possível
sustentar a invalidade dessas autoridades ou das decisões por elas proferidas.Essa mesma linha de raciocínio pode
ser empregada em relação à execução extrajudicial realizada com fundamento no Decreto-lei nº 70/66. Se o
contrato de financiamento prevê essa possibilidade (como é o caso), não se pode impugnar, por esse único
fundamento, o procedimento em questão.O devido processo legal é uma garantia constitucional expressamente
prevista no art. 5º, LIV, da CF 88, ao dispor que ninguém será processado nem sentenciado sem o devido processo
legal.A cláusula constitucional do devido processo legal não está relacionada exclusivamente com a tutela
processual. O princípio do due process of law (expressão da língua inglesa que originou a correspondente na
língua portuguesa) apresenta um sentido genérico, caracterizado pelo trinômio vida-liberdade-propriedade. Como
lembra Nelson Nery Jr., tudo o que disser respeito à tutela da vida, liberdade ou propriedade está sob a proteção da
due process clause (Princípios do processo civil na Constituição Federal, 4ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais,
1997, p. 30). Incluem-se na proteção dessa garantia os direitos derivados da vida, liberdade e propriedade, como
por exemplo, o direito à integridade moral, a liberdade religiosa e de manifestação de pensamento.Além desse
sentido geral, a doutrina situa o devido processo legal sob uma dupla perspectiva: o devido processo legal
processual (procedural due process) e o devido processo legal material (substantial due process).Para entender as
duas dimensões do devido processo legal é necessário voltar às origens desse instituto, que remontam à Inglaterra
de 1215, em que o Rei João Sem Terra viu-se obrigado a outorgar à nobreza alguns direitos, pela primeira vez
declarados em um documento denominado Magna Charta. Redigida em latim para limitar o acesso a seu
conteúdo, como lembra Lucia Valle Figueiredo, a carta refere-se à law of the land, per legem terrae. Só
posteriormente, em uma lei inglesa denominada Statute of Westminster of the Liberties do London, é que surgiu
expressamente a expressão due process of law. Séculos mais tarde, acabou incorporada a algumas constituições
das ex-colônias inglesas na América do Norte, para depois figurar na própria Constituição dos Estados Unidos da
América (Estado de direito e devido processo legal, in: QUADROS, Cerdônio [coord.], Nova dimensão do direito
administrativo, v. 1, São Paulo: Nova Dimensão Jurídica - NDJ, 1997, p. 159).O fato é que, desde quando
integrante da Magna Carta, o devido processo legal apresentava um sentido exclusivamente processual, como
proteção do indivíduo no curso de um processo, perante uma autoridade judiciária. De início na jurisdição penal e
depois passando para a jurisdição civil, esse sentido processual do due process estava previsto como um princípio
assecuratório da regularidade do processo, a ser observado nas várias instâncias judiciais (Carlos Roberto Siqueira
de Castro, O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição do Brasil, p. 34). Dentre as
garantias que integravam a regularidade do processo, podemos citar a proibição da condenação sem processo e
julgamento, o direito ao júri, a proibição de alguém ser julgado duas vezes pelo mesmo fato, a vedação da autoincriminação, o direito à informação sobre a natureza da acusação, o direito à defesa e ao contraditório, etc..Vale
também destacar que o devido processo em sentido formal, como síntese das garantias processuais, tem igual
relevância no processo (ou procedimento) administrativo. Como lembra Carlos Roberto de Siqueira Castro:Foi
natural consequência que essa garantia originariamente voltada à regularidade do processo penal, onde buscava
adequar o jus libertatis dos acusados ao jus puniendi do Estado, transpusesse as fronteiras penalistas e se
estendesse a todas as relações processuais, de maneira a abranger também o processo civil.E prossegue o mesmo
autor:Do campo processual penal e civil a garantia do devido processo legal alastrou-se aos procedimentos
travados na Administração Pública, impondo a esses rigorosa observância dos princípios da legalidade e da
moralidade administrativas. Por sua crescente e prestigiosa aplicação, acabou por transformar-se essa garantia
constitucional em princípio vetor das manifestações do Estado contemporâneo e das relações de toda ordem entre
o Poder Público, de um lado, e a sociedade e os indivíduos, de outro (Op. cit., p. 38 e 40-41).Mais tarde, doutrina
e jurisprudência, especialmente norte-americanas, alargaram em muito o âmbito de compreensão desse instituto,
que deixou de significar a mera tutela do processo e para o processo, passando a incorporar uma amplíssima
proteção dos direitos fundamentais. É decorrência do devido processo legal material, por exemplo, o princípio da
legalidade no Direito Administrativo, como limitação do poder regulamentar e do poder de polícia (Nelson Nery
Jr., op. cit., p. 34-36). O devido processo legal, em seu sentido substancial, também impõe o respeito ao princípio
da razoabilidade das leis, isto é, da necessidade de que o Legislativo produza leis que estejam conformes ao
interesse público, que estejam de acordo com a law of the land. Consequência importantíssima é também o
primado da igualdade material, isto é, do prestígio não só da igualdade perante a lei, mas também da igualdade na
lei (a esse respeito, v. Lucia Valle Figueiredo, Estado de direito e devido processo legal, p. 162-165).Assim postas
tais premissas, é necessário ponderar que a garantia do devido processo legal é de tamanha estatura constitucional
que dela afloram e decorrem inúmeras outras, como as garantias do contraditório e da ampla defesa, que são
aplicáveis ao processo (ou procedimento administrativo) por expressa previsão constitucional.De fato, o art. 5º,
LV, da Constituição Federal, prescreve que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados
em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes
(grifamos).Pois bem: no caso da execução extrajudicial aqui tratada, é possível falar, efetivamente, em afronta a
essas garantias? A resposta é negativa.Como já visto, devido processo legal não significa, necessariamente, devido
processo legal judicial ou jurisdicional. Exige-se, contudo, que esse procedimento esteja previamente definido em
lei, observando-se, em cada situação concreta, todas as suas prescrições.A regularidade do processo está
DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Data de Divulgação: 23/05/2013
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