TRF3 11/03/2013 - Pág. 635 - Publicações Judiciais I - Interior SP e MS - Tribunal Regional Federal 3ª Região
constitucional expressamente prevista no art. 5º, LIV, da CF 88, ao dispor que ninguém será processado nem
sentenciado sem o devido processo legal.A cláusula constitucional do devido processo legal não está relacionada
exclusivamente com a tutela processual. O princípio do due process of law (expressão da língua inglesa que
originou a correspondente na língua portuguesa) apresenta um sentido genérico, caracterizado pelo trinômio vidaliberdade-propriedade. Como lembra Nelson Nery Jr., tudo o que disser respeito à tutela da vida, liberdade ou
propriedade está sob a proteção da due process clause (Princípios do processo civil na Constituição Federal, 4ª ed.,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 30). Incluem-se na proteção dessa garantia os direitos derivados da
vida, liberdade e propriedade, como por exemplo, o direito à integridade moral, a liberdade religiosa e de
manifestação de pensamento.Além desse sentido geral, a doutrina situa o devido processo legal sob uma dupla
perspectiva: o devido processo legal processual (procedural due process) e o devido processo legal material
(substantial due process).Para entender as duas dimensões do devido processo legal é necessário voltar às origens
desse instituto, que remontam à Inglaterra de 1215, em que o Rei João Sem Terra viu-se obrigado a outorgar à
nobreza alguns direitos, pela primeira vez declarados em um documento denominado Magna Charta. Redigida em
latim para limitar o acesso a seu conteúdo, como lembra Lucia Valle Figueiredo, a carta refere-se à law of the
land, per legem terrae. Só posteriormente, em uma lei inglesa denominada Statute of Westminster of the Liberties
do London, é que surgiu expressamente a expressão due process of law. Séculos mais tarde, acabou incorporada a
algumas constituições das ex-colônias inglesas na América do Norte, para depois figurar na própria Constituição
dos Estados Unidos da América (Estado de direito e devido processo legal, in: QUADROS, Cerdônio [coord.],
Nova dimensão do direito administrativo, v. 1, São Paulo: Nova Dimensão Jurídica - NDJ, 1997, p. 159).O fato é
que, desde quando integrante da Magna Carta, o devido processo legal apresentava um sentido exclusivamente
processual, como proteção do indivíduo no curso de um processo, perante uma autoridade judiciária. De início na
jurisdição penal e depois passando para a jurisdição civil, esse sentido processual do due process estava previsto
como um princípio assecuratório da regularidade do processo, a ser observado nas várias instâncias judiciais
(Carlos Roberto Siqueira de Castro, O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição do
Brasil, p. 34). Dentre as garantias que integravam a regularidade do processo, podemos citar a proibição da
condenação sem processo e julgamento, o direito ao júri, a proibição de alguém ser julgado duas vezes pelo
mesmo fato, a vedação da auto-incriminação, o direito à informação sobre a natureza da acusação, o direito à
defesa e ao contraditório, etc..Vale também destacar que o devido processo em sentido formal, como síntese das
garantias processuais, tem igual relevância no processo (ou procedimento) administrativo. Como lembra Carlos
Roberto de Siqueira Castro:Foi natural consequência que essa garantia originariamente voltada à regularidade do
processo penal, onde buscava adequar o jus libertatis dos acusados ao jus puniendi do Estado, transpusesse as
fronteiras penalistas e se estendesse a todas as relações processuais, de maneira a abranger também o processo
civil.E prossegue o mesmo autor:Do campo processual penal e civil a garantia do devido processo legal alastrouse aos procedimentos travados na Administração Pública, impondo a esses rigorosa observância dos princípios da
legalidade e da moralidade administrativas. Por sua crescente e prestigiosa aplicação, acabou por transformar-se
essa garantia constitucional em princípio vetor das manifestações do Estado contemporâneo e das relações de toda
ordem entre o Poder Público, de um lado, e a sociedade e os indivíduos, de outro (Op. cit., p. 38 e 40-41).Mais
tarde, doutrina e jurisprudência, especialmente norte-americanas, alargaram em muito o âmbito de compreensão
desse instituto, que deixou de significar a mera tutela do processo e para o processo, passando a incorporar uma
amplíssima proteção dos direitos fundamentais. É decorrência do devido processo legal material, por exemplo, o
princípio da legalidade no Direito Administrativo, como limitação do poder regulamentar e do poder de polícia
(Nelson Nery Jr., op. cit., p. 34-36). O devido processo legal, em seu sentido substancial, também impõe o
respeito ao princípio da razoabilidade das leis, isto é, da necessidade de que o Legislativo produza leis que estejam
conformes ao interesse público, que estejam de acordo com a law of the land. Consequência importantíssima é
também o primado da igualdade material, isto é, do prestígio não só da igualdade perante a lei, mas também da
igualdade na lei (a esse respeito, v. Lucia Valle Figueiredo, Estado de direito e devido processo legal, p. 162165).Assim postas tais premissas, é necessário ponderar que a garantia do devido processo legal é de tamanha
estatura constitucional que dela afloram e decorrem inúmeras outras, tais como as garantias do contraditório e da
ampla defesa, que são aplicáveis ao processo (ou procedimento administrativo) por expressa previsão
constitucional.De fato, o art. 5º, LV, da Constituição Federal, prescreve que aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes (grifamos).Pois bem: no caso da execução extrajudicial aqui tratada, é possível falar,
efetivamente, em afronta a essas garantias? A resposta é negativa.Como já visto, devido processo legal não
significa, necessariamente, devido processo legal judicial ou jurisdicional. Exige-se, contudo, que esse
procedimento esteja previamente definido em lei, observando-se, em cada situação concreta, todas as suas
prescrições.A regularidade do processo está perfeitamente atendida. Não há surpresas, modificações súbitas nas
regras procedimentais, ao contrário, estas não se modificam há mais de três décadas.Nem mesmo o aspecto
substancial da garantia estaria violado, pois não há desequilíbrios ou desigualdades evidentes que indiquem o
contrário. Ou, o que parece especialmente relevante, não há ônus, deveres ou sujeições substancialmente distintas
das do processo judicial de execução por quantia certa contra devedor solvente.Como é sabido, nesse
DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Data de Divulgação: 11/03/2013
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