TJSP 21/03/2022 - Pág. 289 - Caderno 3 - Judicial - 1ª Instância - Capital - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: segunda-feira, 21 de março de 2022
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Capital
São Paulo, Ano XV - Edição 3470
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destinatário final fático do bem ou serviço; deve ser também o seu destinatário final econômico; isto é, a utilização deve romper
a atividade econômica para o atendimento de necessidade privada, pessoal, não podendo ser reutilizado, o bem ou serviço, no
processo produtivo, ainda que de forma indireta. Destinando-se, pois, ao incremento dos negócios e ao lucro, as operações de
financiamento bancário voltadas à atividade empresarial, não se faz presente a figura do consumidor, imprescindível à atração
das normas protetivas do CDC, ainda que por equiparação, na forma do art. 29 do referido diploma legal, porque no caso
concreto em apreço, o vulto das operações afasta, de per se, qualquer possibilidade de consideração da vulnerabilidade técnica
dos embargantes na celebração dos negócios jurídicos subjacentes ao litígio. Fixada tal premissa, bem de ver que a Medida
Provisória nº 2.160-25, de 23.08.2001, atualmente substituída pela Lei nº 10.931, de 02.08.2004, introduziu a Cédula de Crédito
Bancário, constituindo mais um título de crédito contratual a par dos já existentes, elevado à condição de título executivo
extrajudicial, precisamente porquanto dotado dos atributos de liquidez, certeza e exigibilidade. Tem-se presente na espécie
percuciente advertência de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, ao tecer considerações sobre o ‘princípio da tipicidade’, segundo
o qual, no direito brasileiro só são títulos executivos aqueles atos ou fatos definidos em lei como tais; a construção do elenco
dos atos e fatos dotados de eficácia executiva cabe exclusivamente ao legislador e jamais ao juiz ou mesmo às partes.
Prossegue, o festejado processualista, acrescentando que A severidade dessa reserva legal, associada à própria exigência de
um título para executar, decorre da gravidade das medidas executivas que o título autoriza, as quais podem conduzir ao
desapossamento ou mesmo à expropriação de bens do executado, contra sua vontade e a dano de seu patrimônio (Instituições
de Direito Processual Civil, vol IV, Malheiros Editores, São Paulo, 2004, págs. 192/193). Precisamente porquanto plenamente
observado o princípio da tipicidade, é dizer, a reserva legal, em consonância com os ditames do devido processo legal
substancial, não se há cogitar de qualquer vício hábil à desconstituição do título objeto do litígio, cuja eficácia executiva vem
sendo reiteradamente proclamada pela jurisprudência. No âmbito do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, aliás, a
súmula 14 é clara: A cédula de crédito bancário regida pela Lei nº 10.931/04 é título executivo extrajudicial. De idêntico sentir o
entendimento cristalizado no âmbito do E. STJ, fixado em sede de Recurso Repetitivo - REsp nº 1.291.575-PR, processado na
forma e para os fins do art. 543-C do CPC, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, j. 14.08.2013. A memória de cálculos de fls. 98
bem permite entrever que o inadimplemento das obrigações dos embargantes teve início com o vencimento da 16ª parcela,
vencida em 25.03.2015, o que se perpetuou nas prestações seguintes, tendo sido claramente apontados os encargos incidentes
sobre o valor nominal das parcelas, mediante a incidência da taxa do CDI pactuada, acrescida de juros moratórios e multa
contratual, anotado o abatimento pelas amortizações levadas a efeito. Não há vício de inépcia sob este enfoque a ser afastado.
Conforme se verifica a fls. 86 não houve lançamento de assinatura eletrônica na CCB excutida, azo pelo qual desprovido de
fomento jurídico os argumentos lançados na exordial dos embargos a título de nulidade também sob este enfoque. Os
questionamentos dos embargantes a propósito da onerosidade excessiva da operação de crédito em comento nem de longe se
prestam a comprometer os atributos de liquidez, certeza e exigibilidade do título cuja desconstituição se persegue. Enquanto
instituição financeira o embargado é sujeito à disciplina da Lei nº 4.595/64 que, segundo entendimento jurisprudencial corrente,
revogou a cognominada Lei da Usura, ao menos no que diz para com a limitação dos juros. Demais disso, de há muito o Pretório
Excelso acabou por editar a súmula nº 648, mercê da qual ‘A norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela Emenda
Constitucional nº 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de
Lei Complementar’. De tão superada, não ousaram os embargantes escorar-se nessa tese. Ainda no que tange à questão dos
juros remuneratórios, é assente o entendimento de que o Código de Defesa do Consumidor sequer aplicável na espécie, como
visto não revogou a Lei nº 4.595/64, dado o seu caráter especial, recepcionado tal diploma normativo pela nova ordem
constitucional, com status de Lei Complementar. A disciplina protetiva que emana do Código de Defesa do Consumidor, ainda
assim, comporta invocação subsidiária, casuística e concreta no âmbito de cada relação contratual, se e somente se caracterizada
abusividade, à vista da exigência de taxas que, comprovadamente, revelem discrepância substancial com a média do mercado
na praça do empréstimo, salvo se justificada pelo risco da operação (cf. a propósito R.Esp. 407097/RS, rel. designado Min. Ari
Pargendler, DJ 29.09.2003, p. 142). Digno de registro que o estabelecimento da média de mercado como indicador para a
aferição de eventuais abusos na prática de juros remuneratórios impõe concluir que não é qualquer descompasso para com tal
parâmetro de aferição o fator a legitimar a excepcional intervenção judicial corretiva da vontade das partes. É necessário
identificar discrepância substancial, porquanto excessos insignificantes são naturais e consectários da concretização das
operações, presente o necessário sopesamento de suas características específicas e riscos envolvidos (a conferir, STJ, REsp
nº 1.061.530 RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/10/2008). Não por menos, ao deliberar sobre a limitação dos juros
remuneratórios em contratos bancários, o E. STJ, em sede de recurso repetitivo, pacificou o entendimento de que pode ser
reconhecida a abusividade dos juros ajustados se a taxa estipulada for mais de uma vez e meia superior à média praticada no
mercado (REsp nº 1.061.530/RS), vício não identificado em concreto no caso em apreço. Não por outra razão, sob outro vértice,
da caracterização de lesão enorme não se há cogitar, seja porque considerado o id quod plearumque accidit das operações
similares na época e local, não se tem por caracterizada a discrepância referida, seja porquanto ausente o elemento subjetivo
necessário à sua caracterização, qual seja, o dolo de aproveitamento. Com efeito, segundo Caio Mário da Silva Pereira, dois
seriam os elementos caracterizadores da lesão: a obtenção de lucro patrimonial excedente de um quinto do valor corrente ou
justo, e o abuso da premente necessidade, inexperiência ou leviandade da outra parte, tal o ‘dolo de aproveitamento’ (Lesão nos
contratos, Editora Forense, 6ª ed., p. 164). Realmente, não basta que um contrato seja prejudicial, mas é preciso que além da
vantagem que um contratante aufira, se verifique, ainda, a especulação em torno da situação particular de quem levou o outro a
celebrar o contrato, que lhe é tão desfavorável. Sob outro vértice, impende ter presente que desde a edição da Medida Provisória
n° 1.963-17, de 30/03/2000, sucessivamente reeditada até a Medida Provisória n° 2.170-36, de 23/08/2001, ainda em vigor por
força do artigo 2° da Emenda Constitucional n° 32, de 11/09/2001, admite-se indistintamente a prática do cômputo capitalizado
de juros, desde que expressamente pactuado, como no caso (fls. 78). É farto o entendimento jurisprudencial nesse sentido, a
exemplo do que se extraem dos seguintes arestos do Superior Tribunal de Justiça: EREsp 917570, 2ª Seção, Rel. Min. NANCY
ANDRIGHI, j. 28/05/2008, DJ 04/08/2008; REsp 1039052/PR, 3ª Turma, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, j. 12/08/2008, DJ
03/09/2008; AgRg no Ag 968099/SP, 3ª Turma, Rei. Min. NANCY ANDRIGHI, j. 06/03/2008, DJ 17/03/2008; AgRg no REsp
676939/RS, 4ª Turma, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, j. 04/10/2007, DJ 03/12/2007; REsp 897148/MT, 3ª Turma, Rel.
Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, j. 20/09/2007, DJ 08/10/2007; REsp 697379/RS, 3ª Turma, Rel. Min. CARLOS ALBERTO
MENEZES DIREITO, j. 01/03/2007, DJ 21/05/2007. Por ocasião do julgamento do REsp n. 973.827/RS, j. 08.08.2012, rel. p/
acórdão Min. MARIA ISABEL GALLOTTI, para os efeitos do art. 543-C do CPC restaram fixadas, no que de perto interessa ao
equacionamento do litígio, as seguintes teses: É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em
contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.17036/2001), desde que expressamente pactuada. A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de
forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente
para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada. Seguiu-se a tanto a cristalização do enunciado da súmula 539 do
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