TJSP 04/10/2019 - Pág. 2115 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: sexta-feira, 4 de outubro de 2019
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I
São Paulo, Ano XIII - Edição 2906
2115
Prefeitura do Município de Bragança Paulista e outro - SENTENÇA RELATÓRIO Trata-se de ação de obrigação de fazer proposta
por Antonio Rodrigues Moreira em face da Fazenda Pública do Estado de São Paulo e da Fazenda Pública do Município de
Bragança Paulista, por meio da qual pretende o custeio da prótese de esfincter artificial e a realização de cirurgia para a sua
implantação. Em síntese, o requerente, devido a um carcinoma, precisou extrair a próstata no ano de 2012, passando a sofrer
de incontinência urinária grave radical. Em 03 de setembro de 2013, submeteu-se a cirurgia para implantação da prótese
denominada esfincter artificia. A prótese implantada no requente possui prazo de validade de 05 (cinco) anos, tendo sido
removida em janeiro de 2019. Desde então, o requerente vem tentado obter outro aparelho de esfincter artificial para realização
de novo implante, o que foi negado na via administrativa. Foi determinada a emenda da petição inicial (fls. 51/52), corrigida pelo
requerente (fls. 54/58). A tutela antecipada foi deferida para determinar que as requeridas fornecessem a prótese de esfíncter
artificial, sem especificação de marca, bem como realizassem a cirurgia de implantação, no prazo de 01 (um) mês (fls. 59/61).
Citada (fl. 70), a Fazenda Pública Municipal ofertou contestação (fls. 8/93) arguindo sua ilegitimidade passiva. Pelo elevado
custo do esfincter artificial e por falta de estrutura para realização da cirurgia, afirma que a responsabilidade é da Fazenda do
Estado. Com a informação de descumprimento da tutela antecipada, foi deferido o bloqueio do valor correspondente ao esfincter
artificial pelo BacenJud (fls. 105/107), cujo montante foi apreendido (fls. 118/119). A Fazenda Pública do Estado de São Paulo,
em contestação (fls. 109/111), alega a inexistência de previsão do esfincter artificial nas portarias do Ministério da Saúde, bem
como que o SUS não fornece esse tipo de prótese para o caso do requerente. É o relatório. Fundamento e decido.
FUNDAMENTAÇÃO Fls. 125/126: O valor apreendido para efetivação da tutela antecipada deve ser depositado na conta
bancária do requerente, que poderá na sequência realizar transferência bancária on-line para a empresa fornecedora da prótese.
A preliminar de ilegitimidade passiva arguida pelo Município confunde-se com o mérito e nessa qualidade será apreciada a
seguir. Uma vez preenchidos os pressupostos processuais e as condições da ação, passo à análise da matéria de fundo. No
mérito, a demanda deve ser julgada PARCIALMENTE PROCEDENTE, pelos motivos que passo a expor. A solidariedade para o
fornecimento de tratamento à saúde dos entes da Federação decorre da Constituição Federal, podendo o jurisdicionado optar
livremente aquele que pretende demandar. O fundamento constitucional da solidariedade repousa no art. 23, inc. II, da
Constituição Federal. Ali está consignado que todos os entes da Federação devem cuidar da saúde das pessoas. Em se tratando
de competência comum, como anota a melhor doutrina, a prestação do serviço por uma entidade não exclui a prestação por
outra. A repartição de atribuições realizada pela legislação do SUS, necessária para o planejamento de políticas públicas
universais, não logra modificar o mandamento constitucional. Não se concebe uma reforma da Constituição Federal através de
simples lei ordinária. A saúde foi inserida dentre os direitos sociais fundamentais (art. 6º). A concreção desse direito foi remetida
ao título da ordem social, onde o constituinte descreveu diversos mecanismos para a sua realização prática. O direito à saúde
deve ser informado pelo princípio de que o direito à vida de todos os seres humanos também significa que, nos casos de
doença, cada um tem direito a um tratamento condigno, de acordo com o estado atual da Ciência Médica, independentemente
de sua situação econômica. Vencida há muito a discussão sobre a natureza jurídica do direito à saúde. Não mais se pode
sustentar tratar-se de mera regra programática, despida de efeitos concretos para a população. Como anotou o Supremo
Tribunal Federal, em importante julgamento, o caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política não pode
converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele
depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto
irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado (RE 271.286 AgR, Relator
(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 10/09/2000, DJ 24-11-2000 PP- 00101 EMENT VOL-02013-07 PP01409). No mesmo sentido, reconhecendo a existência de um direito subjetivo ao custeio do tratamento: “EMENTA: AGRAVO
REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS A PACIENTE HIPOSSUFICIENTE.
OBRIGRAÇÃO DO ESTADO. Paciente carente de recursos indispensáveis à aquisição dos medicamentos de que necessita.
Obrigação do Estado em fornecê-los. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AI 604949 AgR, Relator (a):
Min EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 24/10/2006, DJ 24-11-2006 PP-00086 EMENT VOL-02257-09 PP-01837) O
Estado não pode deixar de prestar auxílio àqueles que necessitam de medicamentos que não estão na listagem padronizada.
Outrossim, considerando a solidariedade que existe entre os entes da Federação, pouco importa a alegação do Município de
que o Estado deixou de entregar o produto. Ambos são responsáveis pelo cumprimento do dever constitucional de amparar a
autora em sua enfermidade. O desencontro das esferas do Estado não pode pesar em desfavor da parte autora. No mérito, o
requerente alega que é portador de incontinência urinária grave e necessita receber a prótese (esfincter artificial) com urgência.
Há relatório médico que atesta a necessidade imediata de implantação de novo esfincter artificial (fls. 47/50). Aliás, em casos
idênticos analisados por este Tribunal Paulista, os entes públicos já foram obrigados a fornecer a prótese. Confira-se: “Apelação
Cível Fornecimento de prótese - Obrigação do Poder Público - Direito que decorre da aplicação do artigo 196 da CF Autor
portador de adenocarcinoma de próstata e incontinência urinária decorrente Esfíncter artificial - Ofensa ao princípio da separação
dos poderes não caracterizada. Recurso desprovido.” (TJ-SP - APL: 10040658820148260597 SP 1004065-88.2014.8.26.0597,
Relator: Ana Liarte, Data de Julgamento: 09/03/2015, 4ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 12/03/2015) - sem
destaque no original. “AGRAVO DE INSTRUMENTO - FORNECIMENTO DE INSUMO - ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA
TUTELA - Pretensão inicial voltada ao fornecimento de um “ESFÍNCTER ARTIFICIAL” ao autor, portador de incontinência
urinária severa - Cabimento - Preservação do direito constitucional à saúde - Dever do Poder Público de fornecer medicamentos/
insumos àqueles que necessitam - Inteligência do art. 196 da CF/88 e legislação atinente ao SUS - Responsabilidade solidária
dos entes públicos, nos termos do art. 23, II, da CF - Multa diária fixada em face da Fazenda Pública - Possibilidade - Decisão
mantida. Recurso da Municipalidade improvido, com observação.” (TJ-SP - AI: 20852215820168260000 SP 208522158.2016.8.26.0000, Relator: Paulo Barcellos Gatti, Data de Julgamento: 23/05/2016, 4ª Câmara de Direito Público, Data de
Publicação: 30/05/2016) - sem destaque no original. “OBRIGAÇÃO DE FAZER FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTO PARA
TRATAMENTO DE SAÚDE -CABIMENTO - ARTS. 23, II, E 196, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - RECURSO OFICIAL
IMPROVIDO, ACOLHIDO PARCIALMENTE O VOLUNTÁRIO. “Cabe à administração pública o fornecimento do aparelho
Esfíncter Urinário Artificial, tipo”MAS 800”para o tratamento de saúde a hipossuficiente, portador de enfermidades graves
(Neoplasia da Próstata Maligna e Incontinência Urinaria Masculina), pois cuidar da saúde é dever dos três entes estatais, nos
termos dos arts. 23, II, e 196, da Constituição Federal”. (TJ-SP - APL: 1549924120088260000 SP 0154992-41.2008.8.26.0000,
Relator: Thales do Amaral, Data de Julgamento: 07/02/2011, 4ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 22/02/2011) sem destaque no original. Desta forma, é de rigor a procedência do pedido inicial de fornecimento da prótese (esfincter artificial).
Por fim, resta prejudicado o pedido de realização da cirurgia de implantação, pois o requerente já está internado em hospital
público para tal (Unicamp). DISPOSITIVO Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação, nos termos do art.
487, I, do CPC, para o fim de confirmar a tutela antecipada e determinar que as requeridas, de forma solidária, forneçam a
prótese de esfíncter artificial, sem especificação de marca, cuja obrigação (custeio) será satisfeita com o valor já apreendido,
via BacenJud, decorrente do descumprimento da tutela de urgência. Para levantamento da quantia bloqueada, via BacenJud, e
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º