TJSP 25/05/2017 - Pág. 2623 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: quinta-feira, 25 de maio de 2017
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I
São Paulo, Ano X - Edição 2354
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causados inicialmente pela ré-reconvinte que danificou a cerca e portões da servidão para a edificação de muro. Assim, inexistia
fundamento para a reparação civil. Determinada a realização de perícia, cujo laudo foi acostado aos autos (fls. 232/278), tendo
as partes se manifestado sobre ele (fls. 282/284 e 290). Houve esclarecimentos do perito (fls. 303/305), bem como nova
manifestação das partes (fls. 306). É o relatório do essencial. Fundamento e Decido. Preliminarmente, afasto a legitimidade
passiva de Ailton Pereira da Silva alegada em contestação, pois as próprias partes reconheceram que ele possui direitos
possessórios sobre a área, nos termos do acordo firmado a fls. 68/69, tratando-se de fato incontroverso, sendo irrelevante que
não conste justo título para legitimar sua posse. No mais, o feito comporta julgamento parcial de mérito no que diz respeito às
questões possessórias deduzidas na ação principal e parcela do pedido da reconvenção, notadamente as obrigações de fazer e
reparação por danos materiais, pois os fatos encontram-se suficientemente provados e a divergência refere-se à matéria de
direito (art. 356, inciso II c.c. art. 355, inciso I, sendo ambos do Novo Código de Processo Civil). Entretanto, o pedido de
reparação de danos morais formulado na reconvenção depende de dilação probatória, de modo que o feito continuará apenas
em relação a tal ponto, nos termos do art. 356, caput c.c. Art. 357, inciso V, todos do Novo Código de Processo Civil. Posto isso,
o pedido principal formulado pelo autor deve ser julgado procedente, enquanto o pedido reconvencional de danos materiais e
obrigação de fazer é improcedente. Da leitura das alegações contidas nas manifestações das partes, constata-se que há uma
divergência sobre a natureza do acesso ao imóvel do autor-reconvindo, obtido a partir de parte do imóvel da ré-reconvinte,
notadamente porque o primeiro sustenta tratar-se de direito de servidão, enquanto esta última alega tratar-se de passagem
forçada. Constata-se que a confusão mostra-se razoável, tal como aponta Silvio de Salvo Venosa, pois em os conceitos possuem
uma fonte teórica comum: Em determinado momento histórico, o conceito de servidão predial desgarra-se para o ordenamento
de interesse da vizinhança ou interesse público, surgindo o contexto das chamadas “servidões legais”, hoje conhecidas como
restrições impostas pelo direito de vizinhança, ou simplesmente direitos de vizinhança. (IN: VENOSA, Silvio de Salvo. Direito
Civil: Direitos reais. São Paulo: Atlas, 2009, v. V, p. 442). Estabelecida essa premissa, é preciso apontar que os dois conceitos
referem-se a institutos absolutamente distintos, pois a passagem forçada se constitui em espécie de direito de vizinhança (art.
1285 do Código Civil), enquanto a servidão corresponde a modalidade de direito real (art. 1225, inciso III e art. 1378 e seguintes
do mesmo diploma legal). Sobre a distinção, alude a doutrina que: A servidão é um direito real de fruição ou gozo de coisa
imóvel alheia, limitado e imediato, que impõe um encargo ao prédio serviente em proveito do prédio dominante, pertencente a
outro dono (...) Não se confundem tais servidões com o direito de vizinhança (inadequadamente designado de “servidão legal”),
pois o direito de vizinhança é criado por lei, para dirimir contendas entre vizinhos; as servidões decorrem de lei ou convenção,
consistindo em encargos que um prédio sofre em favor de outro, para o melhor aproveitamento ou utilização do prédio
beneficiado. (IN: DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 423/424).
Ressaltando as finalidades de cada um dos institutos, Sílvio de Salvo Venosa esclarece que: Como acenamos em capítulo
anterior, os direitos de vizinhança tem origem e finalidades diversas das servidões prediais. A servidão decorre sempre de ato
de vontade, enquanto os direitos de vizinhança, de regulamentos ou imposições legais. Os direitos de vizinhança objetivam
evitar danos entre vizinhos, tem caráter eminentemente preventivo, permitindo e facilitando o aproveitamento e a convivência
dos prédios e dos respectivos vizinhos. Essas restrições de vizinhança atendem à necessidade imperativa de regular a utilização
da propriedade mais ou menos próxima. A servidão é estabelecida para facilitar ou tornar mais útil a propriedade do prédio
dominante. Não decorre de um imperativo, mas de busca de utilidade, facilidade ou maior comodidade na satisfação de
necessidade do proprietário. Exemplo característico é o direito de passagem forçada. O proprietário de prédio encravado tem
direito de exigi-la; doutro modo, seu prédio se tornaria inútil, sem acesso à via pública. A servidão de passagem pode ser
estabelecida entre os proprietários apenas para facilitar o acesso a um prédio , ou torna-lo mais cômodo, independentemente de
existir encravamento (IN: VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos reais. São Paulo: Atlas, 2009, v. V, p. 442). Aprofundando
e demonstrando outros aspectos distintivos e peculiares dos institutos, Flávio Tartuce acrescenta que: Não se pode confundir a
passagem forçada com as servid?es, em especial com a servid?o de passagem. Isso porque a primeira, instituto de direito de
vizinhan?a, enquanto que as segundas constituem um direito real de gozo ou frui?o. Al?m dessa diferen?a, a passagem for?ada
? obrigat?ria, diante da fun?o social da propriedade; as servid?es s?o facultativas. Na passagem for?ada h? necessariamente o
pagamento de uma indeniza?o ao im?vel serviente, enquanto que nas servid?es a indeniza?o somente ser? paga se houver
acordo entre os propriet?rios dos im?veis envolvidos. Na passagem for?ada, o im?vel n?o tem outra op?o que n?o seja a
passagem; o que n?o ocorre nas servid?es. Por fim, quanto ao aspecto processual, de um lado h? a a?o de passagem for?ada;
do outro, a a?o confess?ria, fundada em servid?es. Pontue-se que as express?es que denominam as demandas s?o doutrin?rias,
o que deve ser mantido na emerg?ncia do Novo CPC. (IN: TATURCE, Fl?vio. Manual de Direito Civil: Volume ?nico. S?o Paulo:
M?todo, 2016, p. 1041). Tais características peculiares da servidão e direito de passagem forçada são reconhecidas, inclusive,
pela própria jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, como bem demonstra o seguinte julgado: DENUNCIAÇÃO
DE OBRA NOVA - SERVIDÃO DE PASSAGEM -PASSAGEM FORÇADA - AFERIMENTO DA NECESSIDADE E COMODIDADE BENEFÍCIO DA COLETIVIDADE. 1 - A ação de nunciação de obra nova pode ser ajuizada por aquele que é proprietário ou
possuidor de área vizinha da construção e que pode sofrer prejuízo em seu prédio ou servidão, conforme prescreve o art. 934,
inc. I do Código de Processo Civil. 2 - A servidão de passagem não deve ser confundida com a passagem forçada. Institutos
distintos, uma é decorrente da lei, das regras do direito de vizinhança e a outra nasce da vontade das partes, para fins de
atender interesses particulares de comodidade e utilidade. 3 - A obra denunciada possui finalidade esportiva e cultural,
beneficiando a coletividade, inexistindo razão plausível para seu impedimento se a vizinhança possui outra via de acesso às
suas residências, ainda que mais longo. 4. Não se considera encravado o imóvel que tenha outra saída, ainda que incômoda e
mais longa. Razões de comodidade não são atendidas para obrigar o vizinho a suportar passagem por seu imóvel. SENTENÇA
REFORMADA - AUTORIZADA A CONTINUAÇÃO DA OBRA- RECURSO PROVIDO. (TJ-SP - APL: 9214696022003826 SP
9214696-02.2003.8.26.0000, Relator: Maria Lúcia Pizzotti, Data de Julgamento: 19/05/2011, 24ª Câmara de Direito Privado,
Data de Publicação: 03/06/2011) Diante da exposição dos conceitos, constata-se que, no caso em tela, estamos diante de um
caso de servidão de passagem, instituída voluntariamente pelo autor, enquanto detentor da posse do imóvel dominante, bem
como pelo antigo possuidor do imóvel serviente, atualmente ocupado pela ré, nos termos da cláusula oitava do contrato de fls.
15/16. Ora, embora a respectiva servidão não esteja expressamente prevista no contrato firmado entre a ré e o antigo possuidor
Jureni (fls. 82/87), certo é que, “sendo um direito real, a servidão adere à coisa, apresentado-se como um ônus que acompanha
o prédio serviente em favor do dominante. Logo, a servidão serve a coisa, não ao dono, restringindo a liberdade natural da coisa
(CC, art. 1378)”, de modo que sua incidência deve ser imposta à nova adquirente, mesmo contra sua vontade. Ainda que fosse
diferente, se dessume dos autos que a ré admite e reconhece a existência da servidão reivindicada, pois, conforme apurado
pelo perito, ao vender parte de sua área à Kerollym Moreno, garantiu a existência do respectivo direito real e a necessidade de
sua preservação, ainda que para seu próprio benefício (fls. 304, item “6”). Ademais, pela conclusão do laudo, infere-se que a
Rua Sansão jamais existiu, conforme informações fornecidas pela própria Municipalidade, de modo que constata-se que autor
usufrui da servidão em questão desde a época em que adquiriu o imóvel, ou seja, dezembro de 2000, totalizando mais de 10
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º