TJDFT 01/06/2017 - Pág. 910 - Caderno único - Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
Edição nº 101/2017
Brasília - DF, disponibilização quinta-feira, 1 de junho de 2017
Conflitos e Cidadania de Brasília - CEJUSC/BSB iniciou os contatos com as Partes para agendamento de sessão de mediação no processo
acima indicado, que foi realizada em mais de uma oportunidade.Trata-se de procedimento voluntário que requer a adesão de todos e, ante a
impossibilidade de darem continuidade aos trabalhos, devolvemos a presente questão para apreciação desse Juízo. E, para constar, lavrei esta.
Brasília - DF, segunda-feira, 29/05/2017 às 18h32. Abadia Rosa Caetano CEJUSC - Centro Judiciário de Solução de Conflitos e de Cidadania
de Brasília .
JULGAMENTO
Nº 2016.01.1.082680-7 - Procedimento Comum - A: CLAUDIA DA SILVA SANTOS. Adv(s).: DEFENSORIA PUBLICA DO DISTRITO
FEDERAL, Defensoria Publica do Distrito Federal. R: AGEFIS AGENCIA DE FISCALIZACAO DO DF. Adv(s).: NAO CONSTA ADVOGADO.
CLÁUDIA DA SILVA SANTOS propôs a presente ação de conhecimento em face da AGÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO DO DF - AGEFIS. Alega a
autora que por R$ 15.000,00 (quinze mil reais), adquiriu o imóvel onde há quatro anos passou a residir em uma área irregular, denominada de
Zumbi dos Palmares, no Bairro Morro da Cruz, São Sebastião-DF; a área não é de proteção ambiental e há dúvida se da União ou do DF; a
área tem previsão de regularização, constando do PDOT, contando inclusive com a presença do Estado consistente no fornecimento de água,
rede de esgoto, asfalto, transporte público, escola, igrejas e supermercados etc; jamais houve represália por parte dos órgãos fiscalizadores,
mas em agosto/2016, os agentes da requerida compareceram ao local e informaram verbalmente que iriam empreender a desocupação da área
com a conseqüente derrubadas das edificações. Arrolou razões de direito. Requer a concessão a gratuidade de justiça e da liminar pleiteada
para que a ré se abstenha de demolir seu imóvel sem que sejam oportunizados o contraditório e a ampla defesa e, no mérito, a procedência do
pedido para confirmar os efeitos da tutela concedida e a citação da requerida para responder aos termos desta demanda. A petição inicial veio
acompanhada dos documentos às fls. 15/18. Em decisão inaugural o Juízo da Segunda Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal indeferiu
o pedido liminar, fl. 21. Houve a interposição de AGI, fl. 23/28. Não houve juízo de retratação, fl. 30. A instância revisora também indeferiu a
liminar requerida, fls. 32/33. A parte ré foi citada à fl. 37 e apresentou a contestação e os documentos de fls. 33/58, alegando que a área é
pública e não tem possibilidade de regularização, sendo que a edificação não dispõe de projeto arquitetônico e nem de licença de construção.
A administração se limitou ao regular exercício do Poder de Polícia na defesa da ordem urbanística, fundiária e ambiental, de modo a inexistir
ilegalidade não ação estatal, pois a edificação está em área pública e é ilegal. Requereu a improcedência do pedido. Em réplica de fl. 59 verso,
parte autora ratificou os termos da petição inicial. Em especificação de provas a parte autora pugnou por prova oral (fl. 60 verso), enquanto a parte
requerida não outras provas, fl. 62. Pela decisão de fl. 63, foi declinado da competência em favor desta especializada. A prova oral pretendida
pela parte autora foi indeferida, fl. 66 e pela decisão de fls. 71/82. O Ministério Público oficiou pela improcedência deste feito, fls. 89/92. É o
relatório. FUNDAMENTO E DECIDO. Presentes os pressupostos processuais e não tendo nenhuma questão de ordem processual pendente,
passo à análise do mérito. Cuida-se de ação de conhecimento pelo rito ordinário destinada a coibir a atuação fiscalizatória empreendida pela
requerida consistente na demolição do imóvel no qual a parte autora reside. A parte autora sustenta que reside no local há quatro anos e que a
área não é ambiental e que há previsão de regularização da área, eis que contida no PDOT, além de contar com os serviços estatais necessários à
comunidade. Defende a ofensa a princípios constitucionais à moradia e dignidade da pessoa humana. Por outro lado, a ré aduziu que a construção
se deu em terreno de ocupação irregular e exerceu, de forma legítima, seu Poder de Polícia, pois se trata de área de ocupação irregular, que
não dispõe do licenciamento necessário. Do direito à moradia - necessidade de ponderação entre os demais interesses juridicamente tutelados,
sobretudo prevalência do interesse público sobre o particular, função social da propriedade, legalidade da origem e objeto para a constituição
do direito. O direito de moradia deve ser exercitado conforme a lei, mais especificamente conforme a função social da propriedade (a qual exige
subordinação do proprietário ou possuidor aos ditames legais, no uso do imóvel que se pretende destinar à moradia). Não se pode permitir todo
e qualquer ato em nome do direito de moradia, posto que a moradia de um não pode prejudicar o mesmo direito ou o direito de uma cidade
organizada e racionalmente planejada para os demais cidadãos. Ou seja, em nome do direito de moradia, não se pode tolerar a prática da
invasão e de edificações construídas de qualquer modo, normalmente causando lesões graves ao meio ambiente, à ordem urbanística e ao
restante da coletividade que, honestamente, abstém-se de invadir e submete-se aos programas oficiais de desenvolvimento habitacional, em
igualdade de condições para com outros cidadãos. Pelas mesmas razões, o domicílio protegido constitucionalmente é aquele erguido conforme
a lei. O domicílio que viola a função social da propriedade, erguido em propriedade alheia ou em parcelamento criado criminosamente, em
desconformidade com as normas edilícias, causando lesão à ordem urbanística e aos interesses maiores da coletividade, não tem proteção
jurídica, posto que decorre de ato ilícito, o qual não pode ser considerado fonte de direito. Acrescente-se que a ocupação da autora teve origem
em ato criminoso (parcelamento ilegal de terras) e, como tudo o que tem origem ilícita, não pode receber tutela jurisdicional, pois o vício de origem
contamina toda a situação fática criada. Ademais, recorde-se que por inviolabilidade do domicílio não se pode compreender autorização para que
qualquer cidadão invada qualquer imóvel e construa conforme sua vontade, como se seu direito ao domicílio o desonere do respeito aos direitos
alheios, condição sem a qual não é possível uma sociedade. Em nome da inviolabilidade do domicílio não se pode tolerar a prática de atos incivis,
até porque nenhuma norma é aplicada isoladamente. O domicílio protegido constitucionalmente é aquele erguido conforme a lei, e não o que
a viola. As presentes considerações harmonizam-se com precedente jurisprudencial que, mutatis mutandis, confere o tratamento adequado do
tema em situação análoga, valendo a reprodução: "(...) As ocupações clandestinas promovidas em área de interesse social, pois endereçadas
a programas de assentamentos inerentes aos programas habitacionais do governo, não consubstanciam exercício legítimo do direito à moradia,
mas ao contrário, apenas atravancam a implementação dos planos diretores de ordenamento territorial volvidos às políticas públicas habitacionais
no Distrito Federal, confrontando diretamente o interesse público em razão do atropelamento desencadeado pelos próprios administrados ao
ocuparem e erigirem, sem a participação do Poder Público, obras à margem do legalmente exigido, à medida que a ocupação de qualquer imóvel
público, ainda que destinado a programa habitacional, seguindo sua vocação, deve ser realizada na moldura do estado de direito, ou seja, sob
a regulação normativa vigente e mediante prévia ordenação e autorização da administração pública, e não mediante iniciativa deliberada dos
particulares" (TJDFT, 1ª T. Civ, Rel. Des. Teófilo Caetano, Agravo 20130020052967-AGI, acórdão 678367, j. em 8/5/13, publ. DJ 24/5/13, p. 58).
A dignidade da pessoa humana é direito de todos os seres humanos, e deve ser resguardada inclusive para os que ainda estão por nascer. A
proteção ambiental e urbanística integram o aparato civilizatório mínimo e, por isso mesmo, são interesses correlacionados à dignidade da pessoa
humana num sentido amplíssimo, pois, como direitos tipicamente difusos, beneficiam a todos, indistintamente. Noutros termos, a lesão ambiental
e urbanística investe contra a dignidade da pessoa humana numa escala coletiva, pois viola o direito de todos, inclusive das gerações vindouras
(a repeito, confira-se o texto do art. 225 da Constituição Federal). Não soa jurídico, nem mesmo razoável que, em nome da dignidade de um
indivíduo que pretende construir de qualquer modo, em inteiro desprezo às normas edilícias, admita-se a lesão à dignidade de todos os demais
cidadãos. Há algum tempo vigora, como fato notório nesta capital, a noção disseminada de que a aquisição de terrenos em condomínios
clandestinos é distorção que já fora tratada com leniência por gestões pretéritas, mas atualmente é negócio de elevadíssimo risco, posto que o
poder público resolveu finalmente coibir tais condutas. O prejuízo que o autor e demais adquirentes de lotes em condições semelhantes sofrerão
com o restabelecimento da legalidade na região do condomínio clandestino onde a família do autor resolveu alocar seus recursos financeiros
não pode ser imputado ao poder público, que deve cumprir a lei de modo isonômico e impessoal, mas aos responsáveis pelo parcelamento e
venda criminosa dos lotes, que tanto prejuízo vêm causando a milhares de cidadãos. Tolerância, culpa, omissão ou conivência da Administração
para com a prática ilegal das edificações desconformes - impossibilidade jurídica - a ineficiência administrativa pretérita não é fonte de direitos.
Não soa jurídico ou mesmo razoável afirmar que houve "tolerância" da Administração para com as construções ilegais, nem tampouco que a
Administração estaria tolhida em sua legitimidade para coibir os atos incivis por não ter sido operante em gestões pretéritas. Só se pode tolerar
algo quando se tenha a disponibilidade do direito ou interesse envolvido. O administrador, que é mero gestor da coisa pública, não tem poderes
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